Fazer parecerem lícitas altas quantias de dinheiro obtidas de forma ilegal. De acordo com a Polícia Civil, essa era a principal função de uma organização criminosa sediada no Espírito Santo e com atuação internacional cujo objetivo era lavar dinheiro para organizações criminosas de diferentes estados.
Por meio deste complexo esquema criminoso, que envolve a falsificação de documentos de identidade, de contratos de prestação de serviço e ainda a criação de empresas de fachada, o grupo foi responsável por movimentar mais de R$ 800 milhões no período de um ano e seis meses, que foram enviados em remessas para empresas dos Estados Unidos e da China.
A organização criminosa foi alvo da Operação Pianjú, deflagrada na última terça-feira (15) de forma simultânea no Espírito Santo, em São Paulo, no Ceará e em Alagoas.
Na ocasião, três pessoas foram presas no Espírito Santo. Também foram apreendidos carros de luxo, lanchas e motos aquáticas, além de R$ 600 mil em dinheiro e R$ 300 mil em canetas de grife.
A investigação que culminou na desarticulação do esquema esta semana foi iniciada em 2018. De acordo com a Polícia Civil, empresas de fachada foram criadas pela organização criminosa sediada no Espírito Santo para receber dinheiro de empresas de outros estados, como São Paulo. Tais quantias são provenientes de diversas atividades ilícitas.
“Conseguimos identificar as pessoas jurídicas. A gente sabe que algumas delas foram investigadas na Operação Lava Jato e algumas foram investigadas por desvio de dinheiro de ICMS. Mas pode ter dinheiro de outras atividades criminosas”, explicou o chefe da Divisão de Furtos e Roubos de Veículos, delegado João Paulo Pinto.
Depois que entrava nas contas, esse dinheiro era lavado por uma empresa física, que usava falsos contratos de prestação de serviços, a fim de enganar as instituições financeiras, fazendo com que toda a transação parecesse ser legal. Segundo a polícia, eram feitos cerca de 30 a 40 depósitos diários em até 20 contas diferentes, com o objetivo de dificultar o rastreio dos valores.
Na sequência, o dinheiro lavado era enviado para as empresas da China e dos Estados Unidos. De acordo com a polícia, um operador financeiro entrava em contato com o banco e dizia que precisava fazer um pagamento para uma empresa de outro país. Esse contrato, por sua vez, era assinado por uma empresa de fachada.
O centro da organização criminosa, que estava estruturado no Espírito Santo, se ramificava nos estados de São Paulo, Ceará e Alagoas.
“O núcleo criminoso era responsável por um conjunto de empresas. Esse conjunto forma uma engrenagem responsável pela parte final da lavagem de dinheiro”, resumiu o titular da Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), Ricardo Toledo.
Falsidade ideológica
Para criar as empresas fictícias usadas para a realização das transações ilegais, o grupo criminoso investiu na criação de identidades falsas.
Conforme explicou Ricardo Toledo, as fotos de pessoas reais eram usadas na produção de falsos documentos e se transformavam em donas das empresas de fachada.
Tudo isso era feito desde 2014 com o auxílio de uma funcionária da Prefeitura de Afonso Cláudio, que atuava no setor de emissão de documentos. A polícia não deu detalhes sobre este fato, mas pontuou que nenhum policial está envolvido nas fraudes.
Início das investigações
As investigações tiveram início por causa de uma ocorrência envolvendo um caminhão com chassi adulterado no município de Jerônimo Monteiro, no Sul do Espírito Santo.
A polícia descobriu que os criminosos, com a ajuda de funcionários do Detran, usavam notas falsas de compra e venda de veículos para aplicar golpes em seguros. Depois do primeiro caminhão, outros 14 foram identificados pela polícia na mesma situação.
Segundo Ricardo Toledo, a organização simulava o roubo dos caminhões para receber o dinheiro do seguro. Em um dos casos, o valor obtido foi de R$ 100 mil.
Material será analisado
Até o momento, foram feitas 18 prisões preventivas e cinco temporárias no âmbito da Operação Pianjú. Além dos presos no Espírito Santo, houve prisões em outros estados. Em São Paulo, por exemplo, foi detido o dono de uma das empresas dos Estados Unidos envolvidas no esquema.
Já o dono de outra empresa americana ainda está no interior, mas a polícia capixaba está em contato com a Interpol para que o mandado de prisão contra ele seja cumprido.
Os proprietários das empresas da China não foram localizados, pois não existe um acordo de cooperação judicial entre o país e o Brasil, dificultando as investigações.
De acordo com o promotor de Justiça Tiago Boucault Pinhal, que é coordenador do Gaeco, todo o valor apreendido será depositado em uma conta judicial. Os materiais serão analisados pelo Ministério Público.
Como ainda não há denúncia sobre o caso no MPES, Pinhal não detalhou qual teria sido a participação dos empresários capixabas no esquema criminoso.
Na última terça, quando ocorreram as prisões, o advogado Ricardo Firme, que defende Wilson, disse que é cedo para se pronunciar, porque é um inquérito grande, cheio de detalhes e ele ainda está se inteirando da denúncia.
Os advogados Rogério Feitosa e Ricardo Rocha, que defendem Pablo, disseram que o empresário está tranquilo e negou participação em qualquer esquema.
Como funcionava o esquema:
Empresas de fachada foram criadas pela organização criminosa que atuava no Espírito Santo com o uso de identidades falsas. Os documentos eram criados com a ajuda de uma servidora pública;
Essas empresas fictícias recebiam dinheiro enviado por empresas de outro estado provenientes de diversas atividades ilícitas, como, por exemplo, o desvio de ICMS. O dinheiro era enviado de forma pulverizada para várias contas, a fim de dificultar o rastreio;
Depois, a quantia ia para uma empresa de desembaraço financeiro, que existia fisicamente. Essa empresa forjava contratos de prestação de serviços para que as instituições financeiras aprovassem tais transferências;
Parte do dinheiro ficava com o grupo capixaba, como lucro, e outra parte era enviada para China e Estados Unidos. A empresa, inclusive, pagava os impostos relativos ao envio desse dinheiro para o exterior;
Um operador financeiro entrava em contato com o banco e dizia que precisava fazer um pagamento para uma empresa de outro país. Esse contrato era assinado por uma empresa de fachada
Por meio desse esquema, mais de R$ 800 milhões foram movimentados em um ano e seis meses.
Fonte: g1-es