Por José Renato Campos — Vitória, ES
O Brasil será sede da Copa América pela quinta vez (1919, 1922, 1949 e 1989). A competição continental desembarca em terras brasileiras após 30 anos. A última delas, em 1989, contou com a participação de um capixaba: Geovani Silva. O ex-jogador ajudou no título daquela edição, que encerrou um incômodo jejum de 40 anos sem a conquista do torneio.
O título em 1989 foi o pontapé inicial de um período extremamente vencedor da Seleção Brasileira. De lá para cá, o Brasil conquistou 10 taças importantes: Copa do Mundo (1994 e 2002), Copa América (1997, 1999, 2004 e 2007) e Copa das Confederações (1997, 2005, 2009 e 2013). Nenhum país, nesse mesmo espaço de tempo, foi tantas vezes campeão.
Segundo Geovani, ser pioneiro dessa era vitoriosa do futebol brasileiro foi o principal legado que a conquista da Copa América de 1989 deixou.
– Foi o começo de uma história na Seleção, que eu ganhei mais do que perdi. E, o mais importante, é que está na história, porque a partir daí a Seleção passou a vencer muito. Além disso, foi importante ter ganho no Brasil. A Seleção chegava, chegava, mas não vencia.
Início conturbado

Em 1989, Brasil vence a Venezuela por 3 a 1 pela Copa América
Tricampeão carioca por Flamengo e Vasco entre 1986 e 1988, Sebastião Lazaroni assumiu o comando técnico da Seleção meses antes da Copa América. Durante o período de preparação, o Brasil realizou quatro amistosos na Europa, tendo perdido três e empatado o restante.
Na volta ao Brasil e dias antes da estreia contra a Venezuela, na Fonte Nova, em Salvador, Lazaroni anunciou o corte de Charles Baiano, ídolo do Bahia e campeão brasileiro no ano anterior. A decisão do técnico gerou a ira do povo baiano, que não só não apoiou a Seleção, como vaiou e arremessou objetos nos atletas.
– O Lazaroni fez uma bobagem gigantesca. Ele convocou o Charles Baiano e depois cortou o Charles. Ele foi o grande responsável por causar todo esse desconforto com o povo baiano. Eu tomei pedrada no braço, o Renato (Gaúcho), garrafa na cabeça. O povo baiano estava revoltado com a gente.
Além da falta do apoio popular, outra ponto atrapalhou o rendimento da Seleção, de acordo com Geovani: o estado do gramado da Fonte Nova.
– Nós fomos jogar em um campo que parecia um chiqueiro. A Fonte Nova, hoje, é padrão Fifa, na nossa época era padrão pelada, porque não havia condições nenhuma de jogar futebol naquele estádio.
Na estreia, Geovani foi autor de um dos gols da vitória do Brasil sobre a Venezuela por 3 a 1. Foi a única vez que o capixaba balançou às redes adversárias na competição. Com pouquíssimo apoio do torcedor baiano, o Brasil empatou por 0 a 0 contra Peru e Colômbia nas rodadas seguintes.
Gol de Geovani foi o destaque do Jornal A Gazeta do dia seguinte após a estreia — Foto: Reprodução/Cedoc/A Gazeta
A quarta e última partida da primeira fase seria disputada no estádio do Arruda, em Recife. Após duas atuações fracas, Lazaroni promoveu mudanças na equipe titular. Geovani, pilar do meio-campo, foi colocado no banco de reservas.
Até hoje o capixaba não concorda com a mudança e justifica o mau rendimento nos jogos anteriores ao gramado da Fonte Nova estar em péssimas condições.
– O Lazaroni fez a mudança e eu estava em uma fase ótima. Os caras entraram e encaixaram, no campo bom eu também encaixaria. Eu só joguei no campo ruim. Não tinha como jogar. Eu posso te falar claramente: em 1988 e 1989 eu fui o melhor jogador do Brasileiro.
Lazaroni “balançou” ainda na primeira fase da Copa América 1989 — Foto: Reprodução/Cedoc/A Gazeta
No Arruda, o Brasil bateu o Paraguai por 2 a 0, com dois gols de Bebeto. Foi o começo do seu show ao lado do eterno parceiro Romário. Entretanto, há muitos boatos que antes daquela Copa América existia uma suposta rivalidade entre os dois jogadores.
Com a propriedade de quem atuou tanto com Romário quanto com Bebeto no Vasco, Geovani garante que os dois atacantes se davam bem.
– Não existia essa rivalidade. Eu vi o Lazaroni falar isso num programa de tv, mas não é verdade. Nós, jogadores, nos respeitavam muito. Eles dois se gostavam muito. Rivalidade foi o Lazaroni que inventou. O que existia era disputa pela posição. Mas Bebeto e Romário não era a dupla preferida do Lazaroni, tanto que ficou provado um ano depois, na Copa de 1990.
A respeito do bom relacionamento daquele elenco, o Pequeno Príncipe relembrou como era clima na concentração.
– Os caras só queriam molecagem na concentração (risos). Os jogadores que já estavam na Europa, cheio de dinheiro, só jogavam baralho. O Renato Gaúcho, o Romário… eles jogavam apostando carro conversível. Eu nem entrava na roda, ainda estava no Brasil (risos). Lembro dos caras falando: “ganhei um conversível zerado, vou pegar lá em São Paulo”. Fora as apostas que existiam nos treinamentos, nos dois toques.
A temporada de 1989 marcou a saída de Geovani do Vasco. O capixaba rumou para o futebol italiano para defender as cores do Bologna. No ano anterior, Renato Gaúcho aterrissou na Itália, contratado pela Roma. O capixaba aproveitou a Copa América para pegar dicar com o companheiro sobre o futebol europeu.
– O Renato me deu muitas dicas de como era na Itália. Ele estava com problemas com um jogador quando estava na Roma, e como ele tinha passado dificuldades lá, ele me deu muitos conselhos.
Quadrangular final
A vitória sobre o Paraguai credenciou o Brasil para o Quadrangular Final, disputado no Maracanã, ao lado da Argentina, Uruguai e Paraguai. Logo na primeira rodada, partida diante dos Hermanos, atuais campeões mundiais e que contavam com um certo Diego Maradona.
Geovani mais uma vez lamentou o fato de ter ficado no banco de reservas no momento crucial da competição. O capixaba, no entanto, confessou que houve uma motivação maior para enfrentar a Argentina.
– Eu não atuei, fiquei chateado, mas o time estava tão bem que eu nem discuti. Mas havia uma motivação diferente contra a Argentina por eles serem os atuais campeões mundiais. A gente falava: “o Diego (Maradona) tá aí. Ele era o melhor jogador do mundo.
Novamente Bebeto e Romário foram os principais nomes da Seleção na vitória sobre a Argentina por 2 a 0. Nas rodadas seguintes, o Brasil bateu o Paraguai por 3 a 0 e o Uruguai por 1 a 0 e ficou com a taça.
“Eu vou torcer muito”
Ex-meia Geovani Silva exibe a medalha de campeão da Copa América 1989 — Foto: Kaique Dias/Gazeta Online
Trinta anos depois, outro capixaba tem a possibilidade de conquistar a Copa América: trata-se de Richarlison. De acordo com Geovani, o Pombo pode assumir o protagonismo, principalmente após o corte de Neymar.
– Eu acho que ele tem chance de ser o grande jogador da Seleção, mas será difícil. Se o time não ajudar, já era.
A confiança em Richarlison se contrasta com a convicção de um título brasileiro. Geovani acredita que o Brasil tem boas peças, porém, o time ainda não deu “liga”.
– Eu vou torcer muito, mas não vejo a Seleção como a campeã da Copa América. Ainda não provou que vai vencer. O Brasil tem jogadores, mas ainda não tem time, principalmente sem o Neymar, que era o principal jogador, e é um atleta que assusta a todos.